Bravio delle Botti

PiazzaErbe2Depois de viajar tanto “praqui e prali”, desta vez resolvi que iria conhecer as festas populares. Na Europa, boa época para isso são os festejos de final de verão. Foi o que fiz. Lá fui eu para a Toscana, e presenciei festejos muito interessantes.

Para início de conversa, quero ressaltar a diferença na forma com que a Itália trata o seu passado, trazendo-o à tona, revivendo anualmente as tradições e revigorando o vínculo com sua história. Na Europa guarda-se o passado histórico com um respeito que não se vê aqui no Brasil, mas na Itália o que eu percebi foi mais que respeito. Não se trata mais de conservação de prédios, nem de museus. Vivenciando festas como a Giostra del Sarracino, a Festa della Rificolona e o Bravio, o que vi foi uma espécie de veneração, em que as comunas (cidades) lutam entre si, como no passado em que lutavam por terras. Só que desta vez, é claro, fazem uma competição saudável, que acaba em muita música, dança e comidaria nas ruas. As pessoas se envolvem tanto, que as festas que são previstas para durar uma semana acabam se prolongando pelo mês inteiro.

De todas as festas, resolvi contar para vocês sobre o Bravio delle Botti, achei impressionante a participação do povo. Fiquei pasma quando soube que naquele dia todo o trabalho é de voluntários, só mesmo o policiamento é profissional. As pessoas que fazem a proteção aos competidores e formam uma cerca viva (viva mesmo) durante todo o percurso de quase 2 km, as pessoas que dão assistência aos competidores e à plateia, distribuindo água, encaminhando aos paramédicos os que não resistem ao calor — tão bravio quanto o Bravio da festa —, as pessoas que explicam aos turistas o significado da festa, todos são voluntários.

E o que é a festa, propriamente?

Bom, vamos começar pelo começo… O Bravio é uma corrida em homenagem a San Giovanni Decollato — São João, a quem por aqui, acho, não acrescentamos o Degolado, mas… Continuando, a festa é uma corrida de barris.

Uma corrida de barris? Olha, mais inusitado impossível.

A origem do Bravio vem desde o século XIV, e era feito a cavalo. Há mais ou menos uns 40 anos passou a ser feita pelos spingitori, empurradores. Dizem que a mudança para utilizar barris foi feita na intenção de prestigiar e divulgar o conhecido vinho produzido na região.

A cidade de Montepulciano é o cenário perfeito para a prova, com suas ruas de aparência medieval, que na época do Bravio são enfeitadas com bandeirolas, desde as vitrines às janelas, aos postes. Cada comunidade, bairro ou contrade (como eles chamam) tem a sua bandeira, que as pessoas usam como lenço no pescoço durante a corrida.

E a festa começa muito antes do último domingo de agosto em que rolam os barris. Meses antes, jovens dos diversos bairros são escolhidos por suas comunidades para representá-las a rolar um barril de 80 kg, ao longo de uma ladeira que vai do centro histórico até a Piazza Grande, que fica no ponto mais alto.  São dois representantes por cada contrade.

No último domingo de agosto, logo de manhã cedo, a cidade é acordada pelos cavaleiros, que recebem das mãos das autoridades a autorização para a corrida. E aí a festa começa, com muita programação até a tardinha, quando se dá a corrida propriamente dita.

O prêmio? Ah, você não vai acreditar. Para os nossos padrões de Brasil, o prêmio é ridículo — uma espécie de bandeira, um pano comprido, que atualmente é pintado por um artista local, e que é entregue pelos spingitori vencedores ao prefeito de sua cidade e fica orgulhosamente exibido durante o ano inteiro.

Fiquei eu ali, pensando, gravando as imagens para um dia me lembrar que vi uma população inteira torcendo por sua comunidade numa luta de brincadeirinha, com lenços e bandanas que lembram sua origem, e esperando por um prêmio que nada mais era do que um pano pintado.

Tudo isso para recordar, louvar e preservar um passado. Tudo isso para retirar do passado energia, experiência e inspiração para continuar preservando e construindo a sua história.

Ai, como eu gostaria de ter um “Bravio” por aqui, nesta minha cidade tão braviamente ocupada por marginais — os oficiais, e “os outros” —, neste meu país sem memória e sem história… Acho que foi por isso que saí garimpando histórias pelo mundo afora. Deve ter sido por isso.

 

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