Ao mestre, com carinho

mestrezuFoi no outro século, portanto deve fazer muito tempo, embora minha pretensão, ou a minha ilusão me leve a dizer: “Parece que foi ontem”. Mas foi muito “transontem”, como diria o compadre Tibúrcio, lá da terra do meu avô.

Quando entrei na minha casa em reforma, na manhã que se seguiu à chuva torrencial da noite anterior, fui logo verificar os possíveis estragos.

Tudo bem. Eu e meu marido, na véspera, estávamos nos preparando para assumir o prejuízo, quando lembramos que a sala de estar ainda não tinha forro e que, sendo a única parte da casa que estava com o piso íntegro, estava entupida de caixas. Imediatamente nos lembramos dos lençóis: ficariam mofados, manchados; as peças de decoração, especialmente as antigas, “ficariam também em péssimo estado”, foi o que comentei.

Mas no sábado e o domingo daríamos conta da trabalheira toda, estendendo as peças encharcadas, secando as peças, puxando a água que ainda estivesse no cômodo com o rodo que compramos no supermercado próximo. Estávamos quase entusiasmados com aquele retorno aos primeiros tempos, em que, ainda sem filhos e com muito tempo de sobra, dividíamos a faxina do apartamento. “Com um pouco de sorte”, acrescentei, “teremos até uns raios de sol para ajudar na tarefa”.

Impacto absorvido, fomos recebidos pelo vigia, que foi logo dizendo: “A tempestade de verão pegou todo mundo desprevenido. A turma já tinha ido embora, tentei salvar o mais que pude, fui logo tirando as coisas de ferro aqui, coisa boa e cara. Tinha umas caixas de livros naquele canto, mas essas eu deixei, não devem ter muito valor, né?”

Meu marido, que era apaixonado por suas peças antigas, respondeu sem pestanejar: “Livro se compra outro”.

Entramos na sala. Estanquei na porta. Olhando aquela Babel, a primeira visão foi… Não consegui segurar o choro. Meu marido olhava para mim sem entender nada, só dizia: “Calma, calma, vamos resolver isso”.

O pobre do vigia não sabia o que dizer e também me olhava com uma expressão… O que eles não sabiam é que aquela chuva tinha destruído materiais preciosos dos meus dezoito anos. Naquele momento, exatamente naquele momento, percebi o tamanho da minha renúncia ao desistir do curso de Jornalismo, já no final do segundo período. Naquele momento tive certeza de que devemos sempre, sempre, lutar pelos nossos sonhos, e só desistir deles quando todas as tentativas se esgotaram.

Ah! O que perdi no temporal? Anotações das aulas de Técnica de Redação que mantinha guardadas durante tanto tempo, mesmo sem usá-las. De vez em quando abria a pasta, espalhava as folhas pelo sofá, sentava no meio delas e ficava, ainda, aprendendo. E lembrando. Lembrava-me daquele professor, que, com seu entusiasmo, tornava suas aulas experiências vivas de talento e competência: Zuenir Ventura, um mestre que não se pode esquecer.

Zuenir nunca precisou de fardão para se fazer imortal para seus alunos. A ele, minha modesta homenagem.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *