As cinzas da quarta-feira

carnaval-angraConta a lenda (ou a História) que o Carnaval foi criado pela própria Igreja. Consequentemente, a quarta-feira de cinzas também. Seria a oportunidade da purgação dos pecados carnais cometidos durante o Carnaval.

Ora vejam só… “Desde a sua origem esse festejo popular carrega a incumbência de ser uma festa pagã, ocasião ideal para o pecado e a desordem”.

Só que, quem desfila ou alguma vez desfilou numa escola de samba carioca (especifico, por não conhecer o que acontece em outros lugares) percebe que o pecado, nesse caso, não mora ao lado. Ao lado mora, sim, a escola rival, de quem se tem o mais profundo ódio no momento da preparação do desfile e durante a contagem dos votos, mas que se aplaude generosamente no momento do desfile, sem parar de sambar só porque a bateria é a da escola “inimiga”.

Foi observando e participando da preparação desses desfiles que reforcei minha convicção de que somos, realmente, um povo excepcional, especialmente quando a única “lei” que nos vigia é a do comprometimento.

Escolhidas as fantasias, aprendido o samba nos ensaios e ensaiada a coreografia (muitas alas, inclusive, estão livres disto e sambam a bel-prazer), só resta esperar o grito na concentração, o grito que faz os corações baterem ao toque do tamborim, do pandeiro, da cuíca, no ritmo do amor pela escola. E olha só: conheço pessoas que amam, amam de verdade, a sua Escola de Samba, tipo aqueles flamenguistas, corintianos & outros, que sempre têm uma justificativa para a derrota do seu time.

Olha, acredite, dá o que pensar: na minha atividade como consultora de empresas já vi tanto gerente, diretor, superintendente e até presidente de empresa se descabelar para conseguir implantar um projeto, punir, perseguir, e otras cositas más e o projeto não saiu do papel.

Aí penso eu cá com meus botões… Todos os anos esse desfile é um sucesso, e aí não estou chamando de sucesso o fato de ganhar ou não ganhar, mas o fato de que, à hora marcada, cada Escola está prontinha para iniciar o seu desfile, cada um no seu lugar, esperando ansiosamente para entrar em ação.

A que se deve exatamente o sucesso no desfile? À autoridade do carnavalesco, do presidente da escola, dos chefes de ala? Ao conhecimento do papel que vai representar e segurança de que vai fazê-lo bem? Coincidência? Prazer?

Vamos lá.

Autoridade existe, realmente. Há algumas pessoas numa escola de samba cuja palavra é lei, mas, se essa lei for burlada, o que acontece? A pessoa é presa? Obviamente errado: o máximo que pode haver de sanção é a proibição de desfilar outra vez.

Tá, talvez a segurança de saber o que e quem a pessoa vai representar seja a causa do sucesso.

Errado. Já vi muito desfile em que o desfilante não tinha noção de quem era e do que representava, muito menos da importância histórica ou geográfica do enredo, o que, aliás, vem mudando nos últimos tempos — as pessoas estão mais informadas, que bom!

Coincidência? Puxa, é coincidência demais, não acha? Todos os desfiles darem certo, sem outra razão que não o acaso?

Prazer. Ah! Aí, sim, eu acredito. PRAZER!

O prazer de ter a oportunidade de se apresentar publicamente, entendendo a seu modo que desempenha um papel importante naquele momento, tendo consciência de que o seu desempenho é tão importante quanto o de outro desfilante qualquer, não importando se é mais… ou menos graduado na “hierarquia”. Sabendo que está desempenhando aquele papel por escolha, por desejo, e não por obrigação ou por medo de sofrer sanções.

Puxa… Se as empresas soubessem o farto, precioso, e generoso material de que dispõem, se pudessem se dedicar um pouquinho, um pouquinho só, ao estudo da gestão numa escola de samba, talvez víssemos menos diretores, gerentes, e presidentes de empresa menos carecas.

E no rescaldo das cinzas desta quarta-feira não estariam tantos projetos não realizados.

 

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