Lateralidade Cruzada

Já fiz tanta coisa nesta vida que às vezes tenho a impressão que tenho vivido muitas vidas numa só, tal a diversidade de atividades e funções que tenho desempenhado.

Bem verdade que ultimamente tenho me dedicado às mais prazerosas – ser mãe, avó e escritora.

Não estou dizendo tudo isso para ocupar espaço, o assunto hoje por si só ocuparia laudas e laudas, esclareço apenas para fazer uma introdução ao assunto. Vou falar de Lateralidade, um tema que estudei com muita atenção quando era fonoaudióloga.

A Lateralidade define o predomínio de um dos lados do corpo, ou seja – a pessoa usa com predominância o lado direito de pé, mão, olho, ou usa com facilidade pé, mão e olho esquerdo. Simplificando, digo que no caso do uso do lado direito, a pessoa é considerada destra, no caso da predominância do lado esquerdo, a pessoa é considerada canhota.

Ah, mas existem aquelas pessoas que utilizam ambas as mãos, pés, e olhos com a mesma facilidade, estes são os ambidestros. E ainda existem os que apresentam a lateralidade trocada, que no caso chama-se lateralidade cruzada, ou seja: predomina o pé direito e a mão esquerda, ou pé esquerdo e mão direita.

Geralmente a lateralidade cruzada aparece nos canhotos. Por que? Porque ser canhoto num passado nem tão distante era coisa do demônio, e não por acaso um dos apelidos que se encontra na literatura para ele é “canhoto”.

Vocês não fazem ideia de como crianças canhotas eram “incentivadas”, para não dizer coagidas, a se transformarem em destras.

Estas crianças precisavam trabalhar o autocontrole muscular com atividades escritas, visuais e motoras, para organizar sua psicomotricidade. Isto porque a lateralidade cruzada quase sempre leva a distúrbios na aprendizagem.

Pois agora, analisando algumas opiniões x comportamentos que vejo na Internet e na política, transfiro o que aprendi nas aulas de Neurologia e vou à Política.

Sim, vou à Política, e não venha você me dizer que misturei alhos com bugalhos (alô, mais jovens, deem uma olhadinha lá no pé da página se não conhecem a expressão).

Vou à Politica sim, e vou contar por quê.

Uns muitos anos atrás havia um alemão, espécie de professor visitante na Instituição em que eu trabalhava, que um dia me perguntou se eu já havia lido os documentos dos partidos políticos.

“Que documentos?”
“Os documentos em que os partidos declaram suas crenças, suas propostas”.

Tive que confessar que não, não conhecia o ideário dos partidos, a não ser o que aparece na mídia. Ele me respondeu: “É, não precisa mesmo, é tudo a mesma coisa. Eu li de três partidos e no final do segundo eu nem consultava mais o dicionário, as palavras eram as mesmas. Todos eles parecem ter a mesma ideologia…”.

Isso me fez pensar durante muitos anos, mas não me causa mais estranheza, porque passei a admitir que a lateralidade cruzada política é vigente no Brasil.

Esquerda, direita…

Prestem atenção nas pessoas que você conhece e que são consumistas até o último tostão. Frequentemente são aquelas que não guardam um centavo, que vivem quebrando cofrinho, mas estão sempre “chic no úrtimo”, com seu celular de última geração.

Grana não possuem, mas são consumistas até a alma.

E os que são “abonados”, os que dispõem de grana, aqueles que poderíamos chamar de “grã-finos”? Conheço alguns que não estão nem aí para o moderninho, usam roupas mais clássicas – mesmo os mais jovens, e … condenam o consumismo. Outro dia eu até li que os cheios de grana estão, no Rio de Janeiro, blindando carros populares, po-pu-la-res…, para disfarçar…

Se prestarmos bastante atenção, vamos notar ainda aquelas pessoas que vivem muito bem, com seu dinheirinho bem aplicado, mas que na hora de jogar para a plateia, são “socialistas”. “O povo merece conforto, respeito”, dizem. Mas vai lá e peça para ela dividir o que é seu com os mais pobres.

Quando interessa? Dizem: sou de esquerda.

Nas reivindicações? Farinha pouca, meu pirão primeiro. Aí, vigora o lado capitalista, cada um quer o seu e o outro que busque o dele depois.

A isso é que estou denominando lateralidade cruzada política.

Para mim, uma das causas do casuísmo político é exatamente a falta de ideologia. A consciência cidadã. Exigir o que é de direito e cumprir o que é dever.

Enquanto não existir esta consciência, não teremos união, diversidade nem de brincadeira e os casuísmos serão sempre a tônica.

É… Cazuza cantou a pedra: “Ideologia? Eu quero uma pra viver…”

 

4 Comments

  • Daisy disse:

    > Dalva Barros: Eu também quero uma ideologia pra viver, mas está muito difícil…
    >> Daisy Lucas: Pois é, Dalva Barros. Olha aí a importância da família e da Escola…

  • Daisy disse:

    > Claudia Campelo Alves:
    Pelo o que estamos vendo nos dias de hoje, eu me arrisco a dizer que o pessoal do STF tem uma ideologia por demais arraigada.à velha política. Gosto demais dos seu artigos. Ah, em tempo; sou canhota e vivi, quando criança, muito do que você descreve. O mundo não era muito fácil para nós e as pessoas dessa época não aceitavam muito bem esse tipo de lateralidade. – foi um verdadeiro bullying – As pessoas mais velhas me diziam: “você trate de escrever com a mão direita, isso é coisa do diabo”! Sou muito grata à minha mãe por não ter me forçado a uma lateralidade destra.

    >> Daisy Lucas: Cláudia, sorte sua ter uma mãe sensível e inteligente. Lutei muito contra esta imposição quando era fono.

  • Lourdes Cruz disse:

    Amiga gostei muito do seu artigo, sensacional é muito apropriado para este momento tão difícil que estamos passando. Parabéns. Lourdinha

  • Daisy disse:

    Momento difícil mesmo, Lurdinha.
    Daisy Lucas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *