Vamos Falar de Amor?

Amo esta foto; eu a tirei no Jardim de Luxemburgo, em Paris e vou lhes contar como e por quê.

Uns anos atrás fiquei um tempo em Paris hospedada em apartamento que fica bem em frente ao Jardim. Era outono, e eu tinha o hábito de passear por ali todo final de tarde. Chegando dos compromissos, antes de entrar no prédio eu sentava por uns minutos e ficava curtindo não somente a vista, mas também as pessoas. E, por mais incrível que possa parecer, sempre acontecia alguma coisa diferente. Era muito comum alguém sentar-se no mesmo banco e de repente, já estávamos conversando…, eram tempos menos perigosos, e eu queria treinar o meu francês.

Havia uns personagens certos naquele lugar, como, por exemplo, um bêbado que gostava de discursar – que figura! Imaginem uns olhos verdes, esbugalhados, no rosto de um homenzinho que não devia ter nem 1,50 m de altura, quase um boneco. Sua roupa, via-se que já estava pedindo lixo, mas era limpa e certamente um dia ele foi elegante, com o seu terno bege, seu colete quadriculado e sua gravata marrom. Ah, não era só olhar verdesbugalhado que chamava a atenção. O sujeito era um expert em História da França.

Je suis um clochard! Mais um clochard chic, hum”*, e danava a apontar cada monumento, cada canto do Jardim, contando sua história. Quando chegava no prédio do Senado, aí ele se superava, ficava de pé, gesticulava, e aos berros, dizia: “Maria de Médicis era mãe de rei mas não respeitava as tradições francesas, ela mandou construir o Palácio no estilo fiorentino por mero capricho, isso não é arquitetura francesa… Daí nasceu a maldição…, foi neste Palácio que Goring fez o quartel general da Luftwaffe na guerra. Dizem que no subsolo destes belos jardins está o cadáver de Hitler, o anticristo… Nunca foi dado o devido valor a esse lugar, tanto que hoje funciona ali o Senado… quer destino mais cruel do que este? Um lugar onde existe pomar de macieiras e pereiras? Sacrilégio.

Quase todas as tardes era a mesma coisa, eu até decorei o discurso. Até o dia em que, no meio do falatório, passou por nós uma mulher jovem, loura, em prantos. A princípio ele não percebeu, ou não quis interromper sua fala, mas os soluços da jovem estavam mais altos do que sua voz e, talvez por isso, ele tenha se calado. Ficamos ali, os dois, cada um sentado na ponta de um banco da praça, e ela sentada um pouco à frente.

Tive muita vontade de me aproximar, mas o homenzinho fechou-se num mutismo completamente diferente do que eu o via fazer já praticamente um mês inteiro. Cheguei a me levantar, mas observei que um homem elegante, com um chapéu maravilhoso, desses que não é qualquer homem que possa usar…, vinha na direção da moça. Pois o homem parou em frente à jovem, ela levantou-se, abraçaram-se, depois se sentaram e ficaram ali, sem dizer palavra.

Diante da cena, o homenzinho levantou-se e saiu, resmungando e andando a passos largos, como se estivesse fugindo daquela bela manifestação de amor.

Fiquei quieta, observando, ainda por uns quarenta minutos. Não resisti e fotografei, eu tinha que registrar aquela cena, na tarde em que o amor calou o pranto e o falastrão.

*"eu sou um vagabundo, mas com estilo."

1 Comment

  • Daisy disse:

    Coment de Ana Cristina Wiering
    Brilhante!!! 👏👏👏👏👏👏

    Coment de Robson Rust
    texto magnífico..lírica !!!

    Coment de Eliane Tavares
    Muito boa esta crônica.Parece até
    que eu estava lá,ao seu lado.Que bom se fosse verdade!🤗

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