Constelação

star-of-bethlehemLi em algum lugar, no passado, que “ninguém consegue fugir à sua constelação”. E que, quando a fuga acontece, fica na pessoa a marca da insatisfação, a frustração e até mesmo a sensação de que está vivendo uma outra vida que não a “sua”.

Isso é muito mais comum do que se pensa; pessoas que, por motivos diversos, acabam fazendo um caminho diferente do que fariam se tivessem escolhido com base no próprio desejo, por razões familiares, econômicas, preconceitos, uma lista enorme de motivos.

Acontece que há momentos que são definitivos, em que as escolhas vão definir todo o resto da vida. Quem não conhece pessoas que exercem profissão diferente da sua vocação, talvez até com razoável sucesso, mas que um dia, em pleno ambiente de trabalho, se perguntaram “O que estou fazendo aqui”? Ou pessoas que se casaram com alguém e depois se perguntaram “como é que fui fazer uma besteira dessas”?

Tenho conhecido pessoas que me relatam sua grande vontade de escrever.

Alguns até escrevem, e a internet e a mídia social possibilitam isso, felizmente. No entanto, estão vivendo de outra atividade e, muito compreensivelmente, não encaram o ofício de escrever como profissão; eu diria que encaram quase como um “hobby”. Digo “muito compreensivelmente” porque sabemos todos nós que, especialmente na nossa “Pátria Educadora”, leitura não é artigo de grande necessidade. Eu mesma precisei escolher um caminho profissional diferente, apesar de sempre ter tido consciência de que escrever seria o meu “grande barato”. Só que a gente precisa garantir o leite das crianças, e conseguir a façanha de um padrão de vida legal às custas do que se escreve, acontece com um em cada… milhão? Talvez eu esteja sendo muito rigorosa, mas, vamos lá… revendo a estatística posso baixar um pouco o percentual.

Concessões temos que fazer ao longo da vida, é claro, mas abrir mão do que nos realiza é duro. Muito duro você ter que, todos os dias, dirigir-se a um trabalho que não significa nada em termos de prazer, ou de realização pessoal, dar conta de um recado que não é o seu.

E quando acontecem os absurdos? Porque eles acontecem, e vou lhes contar um deles. Tenho um amigo supertalentoso; seu texto é leve, consciente, às vezes divertido, e suas ideias fluem num estilo elegante e agradável. Ler o que ele escreve me lembra as vezes em que fiquei acompanhando folhas que se entregam ao vento e seguem, com leveza e graça, fazendo desenhos no ar. Mas… ah, os “mas” desta vida… O homem tem um cargo importante numa instituição financeira internacional e sabe que seus escritos não seriam bem recebidos. Por questões estratégicas profissionais ele não pode (ou não deve) revelar suas ideias. Inteligente como ele só, resolveu seu problema escrevendo sob pseudônimo, mas certamente carregando uma enorme frustração: ninguém tem um talento daquele tamanho para esconder do mundo. Fico eu, nas minhas reflexões de início de ano, imaginando como sofreria nessa mesma situação.

Fico eu, tão felizinha com minha pequena produção literária, lembrando as noites em que esperava as crianças dormirem para escrever — textos que rasgaria na primeira faxina que fosse feita na casa. Fico eu, agora me sentindo tão realizada, perplexa diante de comentários que ouvi, ligeiras insinuações de que teria começado “tarde demais”. Agora tenho todo o tempo do mundo para ser feliz.

E ao meu amigo que teima em não ser escritor, envio daqui uma mensagem que ele certamente vai entender. Repito (ou plagio), o autor da frase, de quem, peço desculpas, mas na minha juventude apressada, esqueci de anotar o nome, embora tenha gravado sua afirmação no fundo da minha alma: “Ninguém foge à sua constelação”.

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