Velha mania

Ilustração da autora.

Ilustração da autora.

“Uma velha mania, conhecer as pessoas por dentro… o verdadeiro de cada um”: eis o que, em meio a uma conversa, um amigo me disse.

Imediatamente respondi, sem maiores observações sobre o sentido: “Esta frase dá um samba”. Não no sentido literal, que o samba (infelizmente) não é minha praia criativa, o meu “samba” é o texto, disritmado, quase sempre escrito no clima de paixão sobre o que eu estiver escrevendo.

Enfim, a frase do meu amigo me fez pensar. Acho que compartilho da sua ideia, e aí, me pergunto por qual razão uma pessoa quer conhecer alguém “por dentro”, se temos que lidar mesmo é com o “por fora” que ela apresenta.

Pretensão, por pensarmos ter o poder de, mediante simples análise do discurso de alguém, conhecer sua alma e saber (ou adivinhar) as motivações de suas atitudes?

Ingenuidade, por acreditarmos que o ser humano pode ser transparente, se dermos bastante atenção e se formos empáticos à sua fala?

Malícia, por imaginarmos que as pessoas “escondem” num manto verborrágico quem realmente são, e o seu discurso é sempre alguma coisa articulada, pensada antes, com o objetivo certo de não mostrar quem realmente são?

Ou nada disso, e apenas, aí sim, a velha mania de sair refletindo sobre tudo o que acontece ao nosso redor, esquecendo de simplesmente viver o momento e aceitar?

Pronto! Aí eu bati na tecla de um dos meus propósitos de mudança para este ano: aceitação.

Aceitar a vida como ela vier, segurando como puder os trancos que se apresentarem, aceitar o outro com o que o outro quiser (ou puder) apresentar, ou como puder ser. Esta é a parte mais difícil, porque, eu, pelo menos, tenho (estou tentando mudar), a velha mania de achar que um amigo é sempre a pessoa mais fiel, a que vai me dar suporte sempre que eu precisar, e que vai me procurar nas suas dificuldades dando-me a oportunidade de demonstrar quão amiga eu sou.

A velha mania de achar que sou insubstituível para as pessoas (como meus filhos, por exemplo), enquanto a vida está cheinha de pessoas disponíveis, que vão amá-los — talvez  não tanto quanto eu, mas que, de qualquer maneira, vão lhes dar o amor necessário  e a atenção de que precisam.

A velha mania de imaginar que, mudando a minha atitude, vou provocar a mudança em qualquer atitude não desejada de alguém, com relação a mim.

A velha mania de acreditar que eu “não erro nunca”, numa onipotência que… Esquecendo que uma das características que humanizam é exatamente o não acertar sempre, o ser humano é falho e impreciso, não somos máquinas programadas para emoções, nem para fatos novos que muitas vezes nos assustam e nos fazem tremer por dentro, mesmo que por fora a gente exiba aquela cara de “eu sou mais eu”.

Bom, dos meus “pensares”, só ficou aquele que realmente norteia a minha vida: ser o melhor que posso ser, e o mais transparente possível, para que ninguém precise tentar adivinhar o que me vai por dentro. Que as páginas da minha existência não sejam páginas em branco, mas escritas com consciência, sinceridade e paixão, com amor, e com a possível sabedoria que o tempo vem me ensinando que é preciso ter.

Sem esquecer Descartes, “penso, logo existo”. Mas aí, tenho a ousadia (ou a pretensão) de acrescentar “mas pensar… tem hora, não dá pra sair pensando por aí, esquecendo de viver”.

 

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