Cheiro de Armário

Mulher estranha aquela. A boca, excessivamente pintada em vermelho sangue, num desenho que ela quisera fosse um coração, mas que parecia uma bunda torta.

Os cabelos eram brilhantes; tinham o brilho do sebo de carneiro que por um instante ouvi balirem quando ela coçou aqueles cabelos desgrenhados.

O pior era seu cheiro. Parecia ter saído do armário, sem escalas, para o teatro. Agora estava ali, sentada desajeitada, no mexe mexe pequeno e esquisito dos que vivem em armário e não tem muito espaço para se mexer, e se mexem cautelosamente, vagarosamente, com medo de amassar seus companheiros de espaço…, as roupas.

Não pude deixar de observá-la; seria também uma roupa, ela mesmo?

Pensaria?

Teria emoções?

Amaria? Isso eu não poderia saber, mas imaginei que, se sofresse uns amassos de um bom ferro passado quente, pudesse curar-se daquele odor vencido pelo tempo de desuso.

Uma mulher – roupa, eis o que a figura me parecia. Não uma veste; apenas uma roupa. Como qualquer roupa, teria, decerto, coberto ou acobertado algumas partes que costumam dizer, de vergonha, mas que na verdade, são as partes do amor e que por isso não são devem ser da vergonha. Ao contrário, são as partes que apresentamos quando estamos em festa. Mas a mulher do armário não tinha cara de festa. E o cheiro…, esse era de velório. Um cheiro acre azedo, de flores que já murcharam, de velas que insistem em não se apagar, e que infestam os ares com seu cheiro, queimando tudo o que lhe aparece à frente.

De qualquer forma era um tipo dramático, com sua boca esquisita e seu cheiro de armário, naftalina vencida, o cheiro dos sentimentos maus que de vez em quando nos acometem a todos.

Me afastei um pouco e pude ver seus olhos. Gelatinosos, seriam eles os puxadores do armário? Com certeza eram.

E os seios? Ficavam para fora, e tinham marcas digitais das mãos que dele se serviram.

Os braços eram longos, e olhando friamente para a figura, senti que gostariam de abraçar o Mundo.

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